97% das pessoas não entendem nada sobre pesquisas, mas compartilham no Facebook
O título é apenas uma brincadeira, mas o assunto é sério.
Muito “bla bla blá” tem aparecido nas redes sociais sobre a pesquisa do IPEA, dizendo que “65% dos brasileiros acham que a mulher de roupa curta merece ser atacada“. Vamos analisar essa pesquisa da forma como ela foi apresentada.
Pesquisas sobre comportamento, sempre vão gerar dúvidas e polêmicas, ainda mais quando pela estruturação do questionário o entrevistado acaba sendo influenciado a dar certas respostas, que são, por alguma razão, mais interessantes ao contratante. Não que isso tenha acontecido na pesquisa do IPEA. Mas, digamos que vale a pena observar.
Eu sempre tive minhas dúvidas sobre as gloriosas pesquisas divulgadas nas mídias televisivas, impressas e agora pela internet. Quando o assunto é opinião tratamos com linhas muito tênues a serem analisadas. Uma leitura pouco apurada pode tomar como “verdade absoluta” informações que correspondem a apenas, parte do cenário todo de um país. A divulgação da pesquisa do IPEA, que priorizou a exposição de gráficos coloridos com frases chocantes, sem apresentação da metodologia utilizada e estratificação do público entrevistado, tende a criar um cenário confuso e sensacionalista de uma verdade parcial.
Afirmar que dois terços da população concorda com estupro quando a roupa da mulher é pequena ou quando ela se comporta de forma inadequada é bastante confuso, pois para quantificar tais valores deveria-se estabelecer um parâmetro de medição para roupa curta e para comportamento inadequado. Sendo esse último extremamente difícil de rotular com padrões pré estabelecidos, uma vez que cada Ser Humano tem seus valores, crenças e princípios enraizados formando sua própria concepção do que é ou não é adequado.
Em um email para nossa equipe, Caleb Salomão, advogado e professor, questionou sobre a orientação que o IPEA poderia, ou deveria, ter fornecido aos entrevistados, esclarecendo que concordar com um ato de estupro é o mesmo que aceitar um crime. Porém toda e qualquer orientação por parte do instituto relacionada ao quesito Crime, criaria um viés de respostas de fuga, onde a maioria diria que concorda maios ou menos, ou não concorda, a fim de não se comprometer.
“Não sei se o IPEA informou aos entrevistados sobre a natureza criminosa dos atos para os quais olhavam com complacência quando dirigidos às mulheres cuja conduta e vestuário censuravam. Sabe-se da obviedade do caráter criminoso da violência sexual em suas variadas formas, mas seria igualmente didático advertir os entrevistados de que sua concordância com a violência implicaria na aceitação de um crime.”
Na publicação da pesquisa, observa-se que sua data de realização está pra aniversariar um ano, tornando o dado um tanto quanto defasado, afinal o comportamento possui uma variância muito grande, e acontecimentos recentes certamente teriam distorcido tal resultado. Outro ponto confuso é a falta de caracterização do perfil do público entrevistado. Como é possível generalizar uma informação tão agressiva sem saber quem opinou de tal forma? Vou explicar melhor, como posso dizer que pessoas de classes sociais diferentes, estados diferentes, renda diferentes, escolaridades diferentes, pensam da mesma forma? Não pode! Tal generalização implica em ignorar todas as idiossincrasias dos diferentes grupos culturais de nosso país.
E como bem ressalta Felipe Moura Brasil, da revista Veja (aqui e aqui), o próprio relatório do IPEA reconhece na página 22 que “Residentes no Sul/Sudeste, jovens e pessoas com educação média e superior, porém, apresentavam menores chances de concordar com isso.”, mas mesmo assim utiliza-se de sensacionalismo para divulgar a pesquisa realizada.
E por fim, me parece estranho esse resultado, sabendo que aproximadamente 66% das pessoas que responderam essa pesquisas eram do sexo feminino.
É triste que pesquisas e suas respectivas divulgações na mídia, que se propõe a levantar questões sociais tão importantes sejam tratadas por seus responsáveis com tamanha levianidade. As questões metodológicas que ficam em aberto, reforçam a pouca atenção que as políticas públicas do nosso país oferecem em relação as questões das múltiplas violências sofridas pelas nossas 100,5 milhões de mulheres.
#EuNãoMereçoSerEngadoPorPesquisas
#NinguémMereceSerAtacado
Heitor Pampolini34 Posts
27 anos, empresario e empreendedor. Escreve para compartilhar reflexões que podem contribuir com as vivências das pessoas.
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