40 anos sem R. W. Fassbinder

Fassbinder

Rainer Werner Fassbinder — mais conhecido como R. W. Fassbinder — foi um dos mais importantes cineastas europeus, sendo uma figura central do movimento que ficou conhecido como Novo Cinema Alemão. Indivíduo polivalente e multifacetado, detentor de uma ampla variedade de talentos, Fassbinder tornou-se um dos expoentes do cinema mundial na década de 1970. Além de ser excepcionalmente produtivo, ele também atuou como editor, compositor, ator e diretor de teatro, para citar apenas algumas de suas muitas ocupações.

Gênio inovador, inquieto, inventivo e profundamente original, R. W. Fassbinder foi um colosso criativo, que mudou para sempre os rumos da sétima arte, com seu talento de visionário dramático, evasivo, atormentado e profundamente humano. Apesar de uma carreira relativamente breve — que durou pouco mais de quinze anos —, sua produção foi hercúlea: sua filmografia conta com mais de 40 filmes, além de diversas produções teatrais e séries para a televisão.

Indivíduo extremamente ativo — dotado de espírito independente e detentor de um elevado grau de iniciativa e autonomia —, Fassbinder não esperava por nada nem por ninguém para dar vida aos seus projetos. O cineasta frequentemente editava seus filmes e participava de cada singular processo de pré-produção e pós-produção, além de compor pessoalmente a trilha sonora para muitos de seus filmes. Ele completava em média um filme a cada 3 meses, e passava de uma produção para outra com extremo dinamismo. Sua capacidade para conciliar tamanha produtividade com criteriosa e rigorosa qualidade é particulamente única na história do cinema.

Conhecido como um dos ‘Infant Terrible’ do cinema alemão, R. W. Fassbinder era um gênio criativo com excepcionais habilidades dramáticas, que exaltavam sua leitura apaixonada pela sofreguidão existencial da alma humana, bem como sua obsessão em participar e tentar compreender quais eram as raízes da transgressão ideológica que irradiava dos indivíduos marginalizados pela sociedade, que pareciam acolher com deprimente e pertinaz resignação a silenciosa brutalidade de uma sonolenta angústia mental coletiva como estilo de vida.

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Além de possuir um olhar analítico profundo e contundente para o sofrimento humano dentro de contextos históricos muito específicos, R. W. Fassbinder era um boêmio incurável que incorporava em sua personalidade cada singular aspecto do fatalista atormentado que era, e que transparecia de forma bastante apurada em sua arte. De fato, quando se torna efetivamente um cineasta profissional, sua vida e sua arte acabam se fundindo de tal maneira, que torna-se praticamente indissociável discernir onde começa uma e termina a outra.

Com seu espírito tipicamente inquieto, indomável e irascível, R. W. Fassbinder abraçava projetos com a vivacidade e a voracidade de um artista de implacável autenticidade, que precisava extravasar as cargas mais abrasivas de seus demônios internos para o mundo exterior. Infelizmente, o cineasta também vivia em sua vida pessoal uma exacerbada orgia de coléricos pandemônios, com amores tempestuosos, amargas vicissitudes, uso de drogas ilícitas e excesso de trabalho, que frequentemente o deixavam no limiar da exaustão, da sanidade e da exasperação física e mental. Dotado de pouco ou nenhum equilíbrio, a ausência de uma disciplina pessoal rigorosa o levou a adotar um estilo de vida caótico, precário e turbulento, onde prevaleciam atividades em demasia, e praticamente nenhum descanso.

Com um cinema meticuloso, às vezes hermético — sem deixar de ser, paradoxalmente, tão evasivo quanto expansivo —, R. W. Fassbinder explorava temáticas variadas, que frequentemente apresentavam personagens envolvidos em dilemas dramáticos e contundentes. O Amor é Mais Frio do que a Morte (Liebe ist kälter als der Tod, 1969), foi o seu primeiro longa-metragem. Além de dirigir o filme, nele Fassbinder mostrou todo o seu potencial como ator, ao interpretar o protagonista Franz Walsch, um sórdido, frio e implacável criminoso, que jamais hesitava diante de uma missão.

Curiosamente, uma análise sobre a obra de Fassbinder mostra como a vida das mulheres alemãs era uma temática particularmente recorrente em sua filmografia, dado que o cineasta tinha afinidade em explorar as inúmeras vicissitudes do universo feminino. Em O Casamento de Maria Braun (Die Ehe der Maria Braun, 1979), Fassbinder mostra a jornada de uma mulher disposta a contrariar sua própria lealdade para libertar o seu marido. Em Lili Marlene (Lili Marleen, 1981), Fassbinder narra o amor impossível entre uma cantora de cabaré e um compositor judeu durante o Terceiro Reich. Em Lola (Lola, 1981), Fassbinder expõe as desventuras de Lola, uma meretriz que trabalha em um destacado clube noturno, e que acaba por atrair a atenção de um empresário idealista chamado Von Bohm.

Lamentavelmente, a trajetória de Fassbinder foi tão gloriosa quanto meteórica. O cineasta viveu uma existência excessivamente intensa, porém demasiadamente curta. Nascido na pequena comunidade de Bad Wörishofen, em 31 de maio de 1945 — portanto, na sequência do término da Segunda Guerra Mundial —, o cineasta veio a falecer em decorrência de uma overdose letal de cocaína e barbitúricos em 10 de junho de 1982; portanto, há exatamente 40 anos.

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A ausência de Fassbinder — que morreu aos 37 anos de idade — já é mais longa do que foi o seu tempo de vida. Sua existência foi breve, e sua carreira cinematográfica foi ainda mais concisa. Não obstante, não importa quão lacônica tenha sido sua trajetória artística, R. W. Fassbinder deixou um legado cinematográfico tão consistente quanto indispensável. Para os entusiastas da sétima arte, sua obra é considerada extremamente dissoluta, complexa e singular, dividida em múltiplas camadas, e marcada por etapas de notável desenvolvimento narrativo e evolução visual. Com uma carreira que foi de 1965 a 1982, é digno de nota que, muito provavelmente, nenhum outro cineasta na história do cinema fez tantos filmes de excepcional qualidade em tão curto período de tempo.

R. W. Fassbinder — o gênio indomável, o artista inquieto e atormentado, o cineasta profundamente original e radicalmente fiel à sua própria percepção de mundo —, nos deixou há exatamente quatro décadas, mas o mais importante é que a sua obra persiste, e permanecerá pelas gerações vindouras.

Com um talento inigualável e uma capacidade singular para inundar seus filmes com dilemas humanos pronunciados e saturados de sentimentos conflitantes — sem jamais parecer melodramático ou apelativo —, definitivamente o legado cinematográfico de R.

W. Fassbinder é perfeitamente capaz de deixar qualquer entusiasta da sétima arte estarrecido, extasiado e desconcertado, das formais mais oníricas e surpreendentes possíveis.

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Com uma forma única de fazer cinema, R. W. Fassbinder consagrou ao mundo — com toda a tônica de sua infalível e suspicaz personalidade —, uma arte profundamente atual e dinâmica, que se compreende dentro de um contexto tão surpreendentemente arrebatador, quanto inerentemente humano. Sem dúvida, a ausência de Fassbinder se faz menos dolorosa, por ele ter deixado um legado extremamente consistente, de filmes tão singulares e fenomenais quanto elegantes e atemporais.

Por Wagner Hertzog.

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