ROBOCOP [ANÁLISE]
É difícil falar do novo Robocop (2014), de José Padilha sem ao menos mencionar o clássico cult Robocop (1987), de Paul Verhoeven. O filme de 1987 era mais satírico, e apresentava vilões um tanto cartunescos, bem ao estilo “cinemão anos 80”.
O Alex Murphy do filme de Verhoeven não tinha ciência da sua família, exceto em vagos sonhos. O policial em si não possuía uma gênese complexa, já que todo o filme era centrado nas disputas corporativas da OCP e a alta taxa de crimes da Detroit daquela época.
O novo filme foca em Alex Murphy e em todas as crises emocionais e existenciais que ele precisa superar após ter praticamente se transformado em um robô por conta de um “acidente”. Temos aqui um Robocop infinitas vezes mais humano que aquele visto no filme de Verhoeven. Para se ter uma ideia, o rosto de Murphy fica visível na maioria das cenas, onde é possível fazer a leitura de diversos sentimentos que o policial ainda lida durante sua longa jornada, incluindo sua esposa e filho.
O filme também dá grande destaque à corrupção, contida dentro da própria polícia, da imprensa e da política em âmbito geral. Fãs de Tropa de Elite irão enxergar, sem esforço, a mão de Padilha na condução desses temas e eventos ao longo de toda a projeção.
PERAÍ, ROBOCOP USANDO UM PRETINHO BÁSICO?
A corporação da vez, responsável pelo Robocop, mudou de nome e agora é chamada de OminiCorp – nos primeiros filmes tínhamos a OCP, que mais parece a abreviação de Ominicorp. Mas, talvez a mudança que mais tem dividido opiniões foi o novo traje preto do robô, que é utilizado em grande parte do filme.Robocop estreando o polêmico traje preto: escolha errada de Padilha ou coragem para mudar?
Confesso que eu mesmo fiquei resistente quando vi o Robocop em ação vestindo um “pretinho básico” pela primeira vez. Mas, ao longo do filme, fui me acostumando com o novo visual, já que há muito mais no filme do que a cor do traje.
O problema é que não há uma explicação convincente para a mudança da cor. Talvez a armadura preta esteja refletindo uma mudança na forma de agir do Robocop que, a partir dali, começa a contar com a ajuda de um software nos momentos de tiroteio com bandidos, passando a agir de maneira menos humana e mais robótica. Aliás, há uma bela cena que está lá pra deixar claro que a “emoção” será um grande problema na trajetória do robô.
[UPDATE] Segundo o próprio Padilha, “Essa é a cor usada no uniforme da maioria das polícias táticas. Fizemos como provavelmente seria feito no mundo real”. [/UPDATE]
As primeiras aparições de Alex Murphy como Robocop, enfrentando um grande drama existencial, são com o traje tradicional apenas modernizado, trazendo o tom de cores original. É em um desses momentos, inclusive, que ouvimos pela primeira e única vez, a música tema original, tocada pela primeira vez no filme de 1987. Ouvir novamente a trilha, mesmo que por poucos segundos, é bastante agradável para aqueles que tiveram contato com o Robocop na década de 80.
ROBOCOP DESMEMBRADO E OS ROBÔS ED-209
Não posso deixar de mencionar o choque que é ver Alex Murphy completamente desprovido de seus membros, contando apenas com a cabeça e parte de um “combinado” que, supostamente, inclui pulmão, coração e estômago. Além do cérebro e das atitudes de Murphy, esse combinado é a única parte da estrutura física humana que ainda restou dele, além da mão esquerda. Ver esse combinado batendo como um coração e os líquidos descendo garganta abaixo, além do cérebro bastante lesionado, é realmente chocante e um grande mérito da equipe de produção artística.Murphy enfrentando os dramas existenciais junto ao Dr. Norton
Uma outra referência clara ao primeiro filme são os robôs ED-209. No entanto, eles estão longe de transmitir medo e pavor, como faziam antigamente (pelo menos eu sentia muito medo na época). Em 1987, os movimentos do clássico ED-209 foram produzidos através da técnica de stop-motion, muito utilizada naquela época em filmes para encenar monstros e “coisas não humanas”.
Isso fazia com que os robôs ED-209 se movessem de maneira “trêmula” (o vídeo abaixo mostra um pouco disso), com diversos cortes de quadros. Além disso, ele era um dos vilões daquele filme, pois era fruto da disputa de poder corporativo na OCP e lutava contra o Robocop.
O que dizer da cena onde o ED-209 foi apresentado para os executivos da OCP pela primeira vez, dentro daquela imensa sala de reunião? Dá uma olhada em parte dessa cena no vídeo abaixo (falo apenas dos primeiros 45 segundos, já que o restante o restante é apenas um remix de cenas).
http://www.youtube.com/watch?v=xMMyVKm9BjM
Os novos ED-209 da versão de Padilha tem movimentação perfeita, construída com o auxílio de computação gráfica avançada, no melhor estilo Transformers. O problema é que eles tem pouquíssimo destaque e parecem servir apenas como elo de ligação com o filme de Verhoeven, já que o grande vilão do filme de Padinha é a política e a corrupção em si, além da própria OminiCorp, que o construiu.
UMA NOVA VISÃO: CORAGEM PARA REIMAGINAR UM CLÁSSICO?
O Robocop de 2014 pode ser encarado mais como um reboot do que um remake do filme original. A história é completamente diferente. Estamos diante de uma trama nova, muito mais dramática e política, contando com uma construção de personagem mais profunda.No filme de Padilha não há uma grande gangue de vilões a ser combatida. A gangue até existe, mas em um contexto mais político, com infiltração na própria polícia de Detroit inclusive. Mas aqueles vilões quase cartunescos do primeiro filme não existem aqui.
Existem algumas perseguições a bandidos e uma caça a um grande BOSS, mas ela é um tanto apressada e quase decepcionante. Não há um clímax de caçada. Parece que Padilha faz questão de deixar claro que essas cenas estão ali apenas para pontuar o longa, já que o grande ponto de conflito do roteiro é a própria existência do Robocop.
As emoções e os dramas fazem parte da rotina de Murphy, agora robô a serviço da Ominicorp
Já imaginou um robô investigando corrupção dentro da própria polícia? E um robô investigando os políticos do país, fazendo uso dos mais modernos mecanismos de investigação? Tudo isso e o drama existencial do robô, fazem parte da pegada desse novo Robocop.
Sobre os atores, o próprio Robocop, encarnado por Joel Kinnaman (da série The Killing) desempenha muito bem o seu papel. Mas os grandes destaques no elenco vão para o sempre ótimo Gary Oldman, que aqui vive o Dr. Norton, responsável pelo Robocop, Michael Keaton (o eterno Batman) que aqui tem uma grande performance como Raymond Sellars, presidente da Ominicorp, chegando a lembrar Steve Jobs em seus momentos mais inspirados e, finalmente, Samuel L. Jackson, que vive Pat Novak, um apresentador de TV pra lá de tendencioso.
ESQUEÇA OS #MIMIMIS E SEJA FELIZ
Pra fechar, esqueça as pessoas que estão reclamando do filme por ele ser muito diferente do primeiro. Elas certamente reclamariam se o Robocop de Padilha fosse muito parecido com o clássico de 1987, julgando como uma cópia barata, fatalmente taxada de anacrônica. Ao contrário de tudo isso, o novo Robocop é bastante corajoso em sua nova visão, apresentando um plano de fundo mais denso e que certamente poderá render uma continuação. Tudo vai depender, é claro, da bilheteria mundial.Primeiros momentos de Murphy como Robocop tentando encarar a nova realidade
Também não leve em conta a opinião daquelas pessoas que falarem que não gostaram do filme por conta do traje preto do Robocop. Há muito, mas muito mais do que a cor do traje nesse filme. Além de tudo isso, me senti orgulhoso por ver um novo filme de José Padilha no cinema e por esse ter sido produzido e rodado em Hollywood. Não é para qualquer um.
Se é que Padilha ainda precisava nos provar algo, com Robocop ele apenas reafirma o grande diretor que é. Recomendo fortemente a leitura dessa reportagem publicada na Veja, que mostra todas as dificuldades enfrentadas por ele em Hollywood, que incluíram imposições do estúdio que não foram aceitas por ele, que tinha uma visão muito clara do tipo de filme que queria por na rua.
Rodrigo Cunha96 Posts
Publicitário, geek, louco por cinema, música, games, livros e boas idéias nas horas vagas e não vagas. Tem medo de fazer compras em NY e beber num PUB de Londres e nunca mais voltar.
1 Comentário
Dianna Dapper
27 de outubro de 2014 at 19:31Ótimo filme, ótima direção, o traje preto bacana tmb. Só acho q ele deveria ter ao menos o tronco do seu corpo, poderia não ter membros mais acho q o tronco seria legal pra não ficar tao surreal….