Como não falar sobre o novo disco da Plebe Rude?
É delicado o período que o nosso país enfrenta. Uma grande crise econômica e de credibilidade. A maior dos últimos anos. Cenários como esse, tendem a fazer emergir descontentamento em todos os cantos. E o novo disco da Plebe bebe dessa fonte com muita vontade.
Vimos em nosso país, principalmente nas manifestações de Junho de 2013 uma boa amostra disso. Esbravejamos: “O gigante acordou”. Parecia que a passividade tão habitual do brasileiro comum estava chegando ao fim. Aí veio a copa do mundo, as eleições. E a inegável sensação de que o gigante voltou a dormir, babando de sono.
Pra piorar, vimos poucos reflexos desse período nas artes, principalmente quando falamos mais especificamente sobre música. Desde então, a mesmice tem imperado, com um acréscimo ainda mais forte de mais sertanejo, funk e pagode em todos os cantos. Antes de continuar esse texto, quero deixar claro que defendo a pluralidade musical acima de tudo. É através dela que conseguimos enriquecer o que é produzido no país.
(…)”E no meu lugar o que faria
Imagina assim entregar assim tão fácil
Sua geração se acomodou
O nível de exigência abaixou
E vai de mau a pior
Cordeiro segue o pastor
Mas quem pode culpa-lo?
E no meu lugar o que faria
Imagina se entregar assim tão fácil
O triste não é você aceitar
É achar que não há outra escolha
E eu quero ver quanto nível terá que descer
Até você se questionar porque (…)”
(QUEM PODE CULPÁ-LO? – PLEBE RUDE / 2014)
Temos gostado tanto de falar em democracia ultimamente, não é mesmo? Infelizmente não é o que vemos acontecer com a música em nosso país. E lógico, isso não vem de hoje. O que se vê no mainstream (TV e rádios em geral) é uma avalanche de sertanejo, funk e pagode. Qualquer coisa que não se enquadre dentro desses estilos raramente tem o destaque merecido.
E é especialmente nesse momento que estamos enfrentando no Brasil, que a pluralidade artística se faz ainda mais necessária. No ano passado tivemos alguns suspiros isolados, como o novo disco da Nação Zumbi, Titãs (Nheengatu) e mais recentemente, o novo álbum da Plebe Rude, pauta principal desse texto.
O novo disco da Plebe Rude (Nação Daltônica) é algo completamente fora do contexto do mainstream atual. Com versos como “Seu horizonte se esbarra na TV” e “goela abaixo pois sabem não faz mal por que só é entretenimento no final”, a voz de Philippe Seabra fala aquilo que todos nós já ouvimos frequentemente da nossa consciência.
O tema somos nós, Brasileiros, que não conseguimos diferenciar o que dá na TV e o que realmente está acontecendo com o país. Fala sobre acomodação de uma geração e como o pão e circo tem deixado, por décadas, as coisas como estão. Se formos analizar inclusive, várias composições da banda ainda na década de 80, veremos que muitas deles parecem ter sido escritas hoje. Pouca coisa mudou em nosso país.
“(…) Onde vocês estiveram esses anos de luta
Pode sair porque é só entretenimento no final
É pedir demais me diga coerência da própria geração
Mas se você não vê a diferença
É daltônico como o resto da nação
Os anos de luta será que foram em vão?
Entretenimento no final
O desperdício de toda a geração
Entretenimento no final
Renato Russo em parque de exposição
Entretenimento no final
Mãos pra cimaaaaaaaaaaaaaaaa”
(ANOS DE LUTA – PLEBE RUDE / 2014)
Em termos de educação e debate, de uma forma geral, as redes sociais foram bastante úteis durante o período das eleições, apesar de elas só nos mostrarem o quando ainda estamos imaturos pra discutir política no sentido de engrandecer o debate e não somente querer provar a todo custo que partido A ou B está certo, muitas vezes insultando os outros numa quase certeza de que política é quase como futebol.
Por outro lado, as redes sociais também refletem o nosso pior. Diariamente, os memes e vídeos non-sense são o que definem a web. O algoritmo do facebook praticamente decide o que vemos e, muitas vezes, pensamos. Em uma era onde quase ninguém mais lê uma notícia por inteiro – a não se o título da manchete – o que acaba imperando são discussões superficiais. No final das contas, aquele vídeo com o mais novo funk ostentação e a último “dancinha”, acabam voltando a ser a pauta principal.
(…) “Minutos viram horas
E os dias viram meses
Mais uma ano você acabou de perder
E quando menos se vê
Não sobre tempo pra provar
Todos errados
E no fim no dia o que você diria do que aprendeu
Quem em sã consciência se contentaria por tão pouco (…)
(MAIS UM ANO VOCÊ – PLEBE RUDE / 2014)
Como sociedade, ainda precisamos evoluir bastante. Ainda estamos aprendendo o real sentido da democracia. e a real importância da educação em todo esse processo. As eleições e os debates ainda soam como mero entretenimento, pelo menos para as multidões.
“Quem em sã consciência se contentaria por tão pouco”. A sociedade brasileira segue passiva frente aos fatos atuais. O Jornal Nacional segue dando as mesmas notícias de 30 anos atrás. Sempre os mesmos escândalos, os mesmos políticos. Os mesmos dramas. As balas perdidas. Hospitais sem vaga e escolas sem carteiras para os alunos. “Até quando esperar?”
(…) “O que te atrasa é acreditar
Na noção que sua vida esta fora das mãos
Só é acomodação
E quem tentar dizer ao contrario
Esta mentindo
Nem decidindo por você
Se poder conviver com cada escolha
Que te fez você
Porque não vê?
Se doe é porque é para doer
Pra te lembrar que sangue escorre
Aonde há uma vida
Niguém decide por você (…)
(QUE TE FEZ VOCÊ – PLEBE RUDE / 2014)
Mas, aos poucos, estamos começando a discutir mais e mais política. Por bem ou mal, o assunto está em nosso dia a dia. Talvez como nunca antes. A internet tem ajudado bastante. Mas em termos de educação e cultura em geral, o potencial de contribuição dela ainda será muito maior.
Mas voltando a Plebe Rude e a seu mais novo disco, temos em mãos um excelente material. Não há aqui música feita pra estourar nas rádios ou na parada do fim do dia. Nem estar entre as dez mais. Há aqui letras bem escritas sobre o nosso país. Letras que muitas vezes incomodam o ouvinte. Letras que não te deixam esquecer da realidade.
Junto a tudo isso, excelentes melodias. São dez músicas de excelente qualidade, gravadas no estúdio de Philippe Seabra em Brasília e mixadas em Nova York. É material que parece ter sido gravado no auge do rock nacional, lá nos idos anos 80, salvo a maior qualidade de captação do material. Philippe Seabra, Andre X, Clemente Nascimento e Marcelo Capucci deixam claro que ainda há esperança em meio ao mar de ditadura musical que vivemos.
O que me deixa triste é muita gente nem chegar a saber da existência desse lançamento e nem imaginar o quão bacana poderá ser assistir a um show dessa banda. Quando uma geração está orientada somente a poucas opções musicais bombardeadas pela mídia, qualquer coisa que passe longe delas, poderá parecer estranho. Alternativo. Fora de moda.
Mas, te convido a não só ouvir esse disco inteiro, mas também a assistir ao documentário Rock Brasília. Já fomos muito, mais muito melhores em termos de criação musical no Brasil. E sabe o melhor? Podemos voltar a ser. Dando a deixa, dá uma olhada nesse trecho de “Tudo que poderia ser”.
(…) O céu se ascende com a promessa
Será o suficiente pra você?
Se o salto de fé virar queda
Então cai
Porque como mais saberia?
O que será que te impede
Tudo que poderia ser
E se escondem a verdade
É por medo que um dia você
Comece a crer que nada é impossível”(…).
(TUDO QUE PODERIA SER – PLEBE RUDE / 2014)
Agora separa um tempinho aí meu chapa, porque te deixo aqui com o show da banda no Estúdio Show Livre, no ano passado, com o documentário Rock Brasília e com a minha nota final para esse disco, que não poderia ser diferente 🙂 ENJOY!
http://youtu.be/FzLqYIjgc_A
Rodrigo Cunha96 Posts
Publicitário, geek, louco por cinema, música, games, livros e boas idéias nas horas vagas e não vagas. Tem medo de fazer compras em NY e beber num PUB de Londres e nunca mais voltar.
1 Comentário
João Vitor
2 de outubro de 2015 at 02:17Excelente matéria, EXCELENTE BANDA e excelente disco ( faltou citar apenas a ótima “Minha história”, gravada com a orquestra sinfônica de Praga, que passa uma mensagem quase ingênua de otimismo no meio da pauleira das letras da Plebe!)