“ELA” [ANÁLISE]
Spike Jonze é um grande diretor de cinema. Meu primeiro contato com algo dirigido por ele foi através do antológico videoclipe para a música Sabotage, dos Beastie Boys, em 1994. Lembro bem do barulho que o clipe causou no mundo inteiro, além de ter sido consagrado no MTV Music Awards daquele ano.
Mas foi quando assisti a Quero Ser John Malkovich (Being John Malkovich – 1999), que percebi que Jonze era um diretor completamente fora do convencional. E continuou nos provando isso com Adaptação (Adaptation. – 2002), Onde Vivem os Monstros (Where the Wild Things Are – 2009) e agora com Ela (Her – 2013).
A COMPLEXIDADE DA SIMPLICIDADE
Ela é um filme singelo mas extremamente denso em sua mensagem. Ele fala sobre o relacionamento de um homem com um Sistema Operacional de computador! Por mais absurdo que isso possa parecer, é essa a premissa de Ela. E é difícil não se por no lugar do personagem vivido por um Joaquin Phoenix inspiradíssimo, como de costume.
Phoenix faz o papel de Theodore, um cara bastante melancólico e sensível que, após o rompimento do seu casamento, vive bastante solitário. Após completar a rotina diária no trabalho, resta a ele chegar em casa e jogar videogame por horas a fio e, depois, acessar seu computador.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL OU QUASE NATURAL?
O longa se passa em um futuro próximo, onde a inteligência artificial pouco se difere da inteligência humana em termos de comportamento, conseguindo inclusive, manifestar emoções espantosamente reais, como ansiedade, tristeza, alegria e etc. Isso está presente desde o game que Theodore sempre joga, no computador da empresa onde trabalha e principalmente em seu smartphone.
O sistema operacional tem autonomia total e faz ligações para Theodore.
Porém, não há nada nessas três interfaces que seja avançada demais a ponto de causar surpresas e ansiedade pelo futuro, como vimos em Minority Report. Aqui tudo é exatamente como é hoje: desktops com telas de LED e smartphones com tela touch. Sim, e-mail ainda é bastante utilizado. Tirando a inteligência artificial extremamente complexa, o filme é praticamente retratado nos dias atuais. Mas a verdadeira estrela do filme é mesmo ela, a Inteligência Artificial do Sistema Operacional.
UMA VIDA MELANCÓLICA PRESTES A ENCONTRAR O AMOR
Tudo começa num belo dia, quando Theodore se depara com um anúncio de um Sistema Operacional avançado o suficiente para entender as emoções humanas e ajudar nas tarefas do dia a dia, automatizando praticamente tudo. O Sistema Operacional é chamado de OS1 e Theodore não exita em adquirir uma cópia.
Após instalar o sistema em seu computador, uma voz feminina começa a interagir com ele. Para se adaptar melhor as necessidades de Theodore, o sistema vasculha todo o HD da máquina dele, incluindo e-mails e documentos em geral. Quem dá voz ao sistema é a bela Scarlett Johansson, que ajuda bastante a humanizar o sistema. Nos primeiros minutos de vida, o OS1 já dá um nome para si próprio: Samantha.
Sistema Operacional instalado. Samantha começa a entrar na vida de Theodore.
Não é difícil prever que Theodore e Samantha, por mais absurda que a ideia possa parecer, vão se tornar mais íntimos com o passar do tempo, até se apaixonarem de verdade. E é aí que o filme começa a se tornar mais interessante e várias questões são levantadas. Uma delas é o preconceito da sociedade contra pessoas que se apaixonam por alguém através de um computador.
SÓ HÁ AMOR QUANDO HÁ CORPO PRESENTE?
Outro ponto é a necessidade da presença de um corpo para que haja amor. Há uma passagem um tanto bizarra e curiosa no filme que coloca esse ponto em questão, sendo uma das cenas mais interessantes e extremas do longa. Vale mencionar também o momento em que Theodore pergunta para uma amiga se ela considera real o relacionamento dele com Samantha.
A amiga pensa e responde: “Não sei, não estou dentro dele”, o que aliás, muitas pessoas deveriam levar em conta antes de querer interferir no relacionamento dos outros.
Samantha sempre acompanha Theodore. Repare no smartphone no bolso dele, com a câmera sempre virada pra frente.
Theodore é também acusado por sua ex esposa de não saber lidar com emoções reais e por isso, teria recorrido a um sistema operacional. Não fica claro o período em que o filme acontece, mas relacionamentos com Sistemas Operacionais não são incomuns naquele tempo. Parecem apenas ser algo recente, dada a reação de muita gente ao saber que alguém está namorando com um.
O HOMEM E O MEDO DA SINGULARIDADE TECNOLÓGICA
O relacionamento de Theodore com Samantha é bastante crível durante todo o filme, sendo possível quase enxergá-la ao lado dele, já que Samantha o acompanha sempre no smartphone, que fica o tempo todo no bolso da camisa de Theodore, com a câmera apontada para a frente, para que ela possa enxergar o mundo.
O conceito de Singularidade, que aponta para um período onde o progresso tecnológico acelera além da possibilidade de entendimento do homem de hoje ou ainda, o ponto no tempo onde emerge a inteligência mais inteligente que a humana, é bastante presente no filme.
Theodore mostra o mundo para Samantha e amplia a percepção do Sistema Operacional sobre os seres humanos.
Com o tempo, todos os Sistemas Operacionais vão se tornando mais inteligentes, aprendendo com os seres humanos e até fazendo fusão com outros sistemas, tornando-se ainda mais evoluídos, o que interfere diretamente no relacionamento entre Theodore e Samantha.
O final do filme é bastante aberto, estimulando diversos debates sobre comportamento humano e evolução tecnológica. Ela é daqueles filmes que vão te deixar pensando por um longo período. Afinal, as máquinas serão capazes de evoluir a ponto de dispensar a opinião dos homens? Tudo isso é bastante curioso e assustador e recomendo aqui uma bela pesquisa sobre o tema Singularidade Tecnológica.
VALE A PENA?
A trilha sonora é um show a parte, melancólica e alegre nos momentos certos. Se você é fã de Arcade Fire, prepare-se para se deleitar! A fotografia evidencia muito a solidão de Theodore. O personagem sempre aparece destacado na cor vermelha em meio a população, transmitindo a ideia de que ele vive em um mundo completamente a parte.
Ela é, sem dúvida, um dos melhores filmes de ficção científica já produzidos. Assim como Gravidade, Ela é uma Ficção Científica com um forte pé no drama, o que certamente agradará a muitos e talvez desagrade aqueles fãs mais radicais do gênero.
Theodore chega a compor música com Samantha: relação sem limites.
Ela está indicado ao Oscar 2014 em cinco categorias: Melhor Filme, Melhor Canção Original, Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha Sonora, e Melhor Design de Produção.
Minha aposta é que Ela será vencedor, pelo menos, nas categoria Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha Sonora e Melhor Design de Produção. Independente de prêmios e outras críticas que você lerá por aí, não perca esse filme por nada. É sério, vale MUITO a pena.
Ela estréia no Brasil no dia 14 de Fevereiro.
Rodrigo Cunha96 Posts
Publicitário, geek, louco por cinema, música, games, livros e boas idéias nas horas vagas e não vagas. Tem medo de fazer compras em NY e beber num PUB de Londres e nunca mais voltar.
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